Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024

Poderá Temer responder por crime de prevaricação em razão dos áudios?

Para configurar o crime, somente com a caracterização de quebra de dever de ofício.

Publicado por Rodrigo Stangret
há 7 anos

Poder Temer responder por crime de prevaricao em razo dos udios

Muito se tem ouvido sobre a possibilidade de prática do crime de prevaricação por parte do presidente Michel Temer, inclusive por renomadas autoridades da ciência jurídica.

Gostaria de expor uma visão unicamente jurídica sobre o assunto, e porque entendo não se enquadrar no delito em questão. Por ser uma opinião jurídica, importante ressaltar: não estou a declarar Temer como inocente ou não reprovável. Não é o presente como "defesa" de Temer.

E, quando nos referimos à prevaricação, entenda-se pelo crime de prevaricação, já que a expressão ganha contornos morais e também em outros ramos do Direito. A exemplo disso, veja-se que o Código Civil menciona o ato de prevaricar duas vezes, sendo uma causa de destituição do tutor ou curador (art. 1.766).

Pois bem. O crime de prevaricação está disposto no art. 319 do Código Penal, e tem a seguinte redação:

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Analisando o núcleo do tipo, nota-se que as ações tipificadas consistem em retardar, deixar de praticar, ou praticar contra expressa disposição de lei, um ato de ofício. É no ato de ofício que poucos tem se atentado, ou se omitido, em suas imputações de prevaricação de Temer. Parece que entendem pelo crime qualquer conduta movida por interesse pessoal.

E no que consiste um ato de ofício? Sem devaneios, é o ato do qual o agente tem obrigação, independente da vontade de qualquer particular. Não se trata apenas de uma obrigação moral, é um ato obrigatório. E, como só reputamos por obrigatório aquilo que decorre da lei (em sentido estrito ou amplo), e sendo o princípio da legalidade norteador da administração pública, naturalmente a lei é a grande fonte da obrigações — e dos atos de ofício.

Para enriquecimento doutrinário, citamos a lição de Rogério Greco sobre o "ato de ofício" no crime em questão:

"Por ato de ofício deve ser entendido todo aquele que se encontra na esfera de atribuição do agente [...] Para que se configure o delito em estudo, o comportamento deve ser praticado de forma indevida, ou seja, contrariamente àquilo que era legalmente determinado a fazer, infringindo o seu dever funcional."


Feitas tais considerações, pergunta-se: qual a norma, lei, regulamento ou qualquer outra fonte obrigacional que determine que o Presidente da República, ao tomar conhecimento de um crime que sequer está em sua área de atuação funcional, deva comunicar as autoridades?

Falamos aqui em área de atuação funcional porque, se os possíveis crimes fossem praticados na administração pública/governo federal, não restaria dúvida de sua obrigação de comunicar as autoridades, inclusive sob possível pena de incursão no crime de condescendência criminosa. Contudo, parece difícil se falar em obrigação do presidente da república averiguar fatos ocorridos em São Paulo, sem relação com suas funções, em âmbito judiciário, se acaso forem verdade (lembremo-nos que foram apenas afirmações de Joesley).

Parece-nos claro que o presidente probo e moral, deve, ao menos, se aprofundar aos fatos e comunicar às autoridades judiciárias, mas não vislumbramos nenhuma obrigação funcional (decorrente de sua função) de fazer tal comunicação. Até o momento, desconheço qualquer normativa a respeito, e não hesite em informar nos comentários se houver, para que tenhamos a informação adequada.

Em suma, a maior dificuldade no enquadramento de Michel Temer no crime de prevaricação reside em enquadrar a comunicação de suposto crime às autoridades como um dever de ofício. Grifa-se suposto porque se Temer denuncia sem ter certeza da veracidade da declaração de Joesley, ainda que não configure denunciação caluniosa (porque só existe na modalidade dolosa), é de se cogitar consequências civis e administrativas se comprovada a invericidade.

Depois disso, ainda restará a barreira de ligar as narrativas ao exercício da função, já que os crimes contra a administração pública são praticados por funcionário público em razão de suas funções. Um agente público não responde por peculato por furtar qualquer coisa de alguém, só por ser agente público.

Outra intransponível barreira é a existência de contravenção penal que perfeitamente se amolda à falta de comunicação, pelo funcionário, de crime que tomou conhecimento. Nesse aspecto, veja-se o art. 66 da Lei de Contravencoes Penais:

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;

Se a conduta de o agente/funcionário público que deixa de comunicar a autoridade a existência de crime puder se configurar crime de prevaricação, parece-nos sem sentido a existência da referida contravenção penal (posterior ao Código Penal). Mais adequada seria a aplicação única da contravenção penal, pela especialidade da lei e por ser mais benéfico ao acusado.

Assim, cada vez mais difícil enquadrar Temer em algum crime comum, unicamente pelos áudios, sem embargo de outras provas. Evidentemente, possível afirmar que a conduta atenta contra à moralidade administrativa, o que pode ser enquadrado como ato de improbidade ou mesmo crime de responsabilidade.

  • Publicações7
  • Seguidores36
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações2449
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/podera-temer-responder-por-crime-de-prevaricacao-em-razao-dos-audios/461682624

Informações relacionadas

Fabrício Bolzan
Artigoshá 12 anos

Capítulo 3- agentes públicos - parte 01

Petição Inicial - TJSP - Ação Queixa Crime - Representação Criminal/Notícia de Crime

Editora Revista dos Tribunais
Doutrinahá 3 meses

Direito Penal: Parte Geral

Recurso - TJSP - Ação Crimes contra a Fé Pública - Representação Criminal/Notícia de Crime

11 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Boa Tarde Prezado Rodrigo Stangret, sua defesa técnica é falha no que consiste justamento o ponto atacado: Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Insta esclarecer que o Presidente em exercício recebeu o delator Joesley no palácio do Governo, ou seja, na plena função administrativa, sendo obrigado independentemente da sua condição de agente público, mas como cidadão tem o dever de comunicar as autoridades policiais do cometimento de crimes confessos pelo delator, é claro que as gravações foram feitas em loco, o simples fato dos crimes terem sido ocorridos em outro Estado, não absorve o Presidente da obrigação de suas funções, o próprio Presidente em exercício disse não usar linguajar chulo, mas estranho é ouvir que "Não havia acreditado nas palavras do delator por se tratar de um FANFARÃO", adoraria ser recebido no palácio do Jaburú pelo Presidente em exercício, eu consigo? Não! Nenhum Fanfarão se quer chegaria próximo de um segurança do chefe do Pode Executivo. Vamos deixar de hipocrisia e colocar todos esses BANDIDOS no lugar que merecem. continuar lendo

Caro João, ressaltando novamente que não fiz o texto como "defesa" de Temer. Inclusive o acho culpado do crime de responsabilidade e de ato de improbidade administrativa.
O que entendo não configurado é o crime de prevaricação.
Se, como você disse, ele era obrigado a comunicar, mesmo na qualidade de cidadão, o ato está mais para a contravenção penal citada.
Continuamos não encontrando fonte legal para dizer que comunicar o crime era obrigação funcional enquanto presidente da república, em razão do cargo. continuar lendo

Prezado Rodrigo.
Essa é uma questão deveras intrigante.
Todavia, saber se é prevaricação me parece irrelevante. Eu mesmo entendi que era esse o caso. A questão central é saber se Temer cometeu crime. Esse é o ponto.
Respondendo à sua indagação sobre qual norma prevê ato de ofício do presidente no caso concreto, e no intuito de estimular a reflexão, penso, no momento, que a CF, em seu art. 85, incisos II e V, indica a trilha tipológica (se assim se pode dizer) que pode definir seus atos de ofício. Podemos dizer que é ato de ofício do presidente garantir o livre exercício do MP e do Poder Judiciário.
Levando em conta que Temer ouviu relato de que seu visitante obtivera êxito em “segurar” dois juízes, em cooptar um procurador da República que participava das investigações e que procurava influenciar na indicação de procuradores da República que iriam investigá-lo (o empresário), estaríamos, em tese, diante de atos que atentam contra o livre exercício do MP e do Judiciário, o que nos remete para o tipo definido no inciso II do art. 85 citado.
No entanto, se se concordar que é caso de prevaricação, entendo que ele acaba por ser assimilado pelo crime de responsabilidade. Eles estão definidos na Lei n.º 1.079/50.
Quanto à omissão, vejamos o que diz o CP, art. 13, § 2º:
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Ao tomar conhecimento dos fatos narrados por Joesley, Temer se viu submetido ao dever de cuidar e proteger (alínea a) o livre exercício do Poder Judiciário e do MP imposto pelCFCF. Não se está falando de dar ordem de prisão ao empresário. Nada disso. Entendo que o presidente deveria ter noticiado os ditos fatos às autoridades competentes (a meu ver, ao próprio PGR), nem que fosse para que se iniciasse uma investigação preliminar destinada a averiguar a veracidade da narrativa (segundo Temer, Joesley era um fanfarrão, o que se mostrou inverdade no caso do procurador cooptado). Eis aí sua omissão.
Ele devia e podia agir. Tenho por despropositado que um presidente da República não se veja submetido ao dever de comunicar à autoridade competente um fato que teve conhecimento e que, em tese, possa ser um crime.

Essa é a contribuição que deixo para a discussão.
E novamente externo a opinião de que o cerne da questão é a conduta do presidente, não o tipo penal em que se enquadra. continuar lendo

Muito obrigado pela comentário!
Acredito que o art. 85 e incisos não podem ser invocados como deveres de ofício, porque se trata de um verdadeiro tipo penal, uma proibição, que se pune por si mesma.
Especialmente para fins de crime de prevaricação, já que o ato invocado na fundamentação (atentar contra a liberdade do MP)é elementar do tipo no crime de responsabilidade. Em outras palavras, não haveria de se invocar um outro tipo penal para configurar o crime de prevaricação, pois haveria bis in idem. Por exemplo: o Código Penal incrimina o ato de funcionário público desviar valores para si (peculato); se "não desviar dinheiro" puder se enquadrar no conceito de um "ato de ofício" para fins de prevaricação, haveria uma dupla incriminação. Acho impossível se usar um tipo penal como referência ao ato de ofício.
De todo modo, creio que o art. 85, II da CF não restou configurado, uma vez que as condutas ali são comissivas.
E me parece que o simples fato de ouvir as narrativas de Joesley não atenta contra a liberdade do MP. Vejo essa possibilidade mais quando o presidente cria algum ato administrativo que atenta contra a liberdade, que restringe a atuação efetiva do MP, direta ou indiretamente.
Por essas razões também não haveria como se fundamentar com base no art. 85 o dever legal de cuidado (garantidor).
Contudo, como crime de responsabilidade em razão do art. 85, V também entendo perfeitamente cabível, visto que na noção de probidade inclui o respeito aos princípios adminstrativos, inclusive a moralidade. continuar lendo

Esqueceram de colocá-lo como participe na formação de quadrilha, porque sua omissão contribuiu com vários crimes que estavam ocorrendo com agentes públicos envolvidos em corrupção, incluindo juízes, e membros de MP. continuar lendo

A gravação deixa claro o conhecimento dos atos ilícitos praticados pelo autor da mesma pelo presidente da República, em função da reação do mesmo diante dos comentários do empresário.

Ao meu entendimento, não envolve apenas um tipo de crime (prevaricação). O teor da conversa deixa explícito a gravidade dos fatos.

Qualquer declaração do presidente com objetivo de tentar passar a ideia de que foi vitimado, só piora a situação dele. continuar lendo

Certo, concordo... mas continua não sendo crime de prevaricação... talvez outro.
Obrigado! continuar lendo